sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Estica e Puxa

Alongar, dobrar, contorcer os músculos até o limite. Manter a elasticidade exige disciplina e superação. Mas quem pratica garante: não só o corpo rejuvenesce – os pensamentos também

Não foi à toa que a ficção criou heróis como a Mulher-Elástico e o Homem-Borracha. Quem não gostaria de poder esticar o pescoço metros acima dos ombros para enxergar mais longe, alongar o braço quanto fosse preciso para pegar o que se deseja, ficar fino o suficiente para passar por qualquer fresta? Não se trata só de uma habilidade útil na vida prática: a flexibilidade também representa o jogo de cintura para superar qualquer obstáculo com jeitinho. Seria tão bom.

Na vida real, temos limites. E, tanto no que diz respeito ao corpo quanto à mente, eles começam muito amplos na infância e tendem a se restringir com o tempo. Levar o pé à boca e aprender uma língua eram coisas que você fazia sem perceber quando era pequeno, lembra? Para evitar o engessamento das ideias, há bons conselhos: exercitar sempre o pensamento, ter persistência para aprender, usar a coragem para superar a dor e enfrentar o novo. Pois com a manutenção da flexibilidade física não é muito diferente. “A capacidade de se esticar e depois voltar à posição inicial é uma característica dos nossos músculos. Para mantê-la e desenvolvê-la, é preciso treinar, forçar e flexionar de forma repetitiva e constante”, ensina Jose Jamacy Ferreira, professor de fisioterapia da Universidade Federal da Paraíba.

Redobrando-nos, exploramos nosso corpo, ganhamos consciência sobre os limites e ficamos mais fortes. Algumas pessoas são mais alongadas, outras menos – coisas da genética –, mas todas podem melhorar. A prática pode estar em simples exercícios feitos em casa, ou em um dos muitos esportes que utilizam a flexibilidade como ferramenta. Além de bom para a saúde, alongar melhora o humor. O estica e puxa reduz a tensão, tranquiliza a cabeça e dá um prazer danado – como contam os entrevistados desta edição.

Caligrafia corporal

Rodrigo Quik, 43 anos, joga o tronco para a frente, leva os braços até os tornozelos e caminha. Deitado, passa o braço por trás da cabeça e tenta alcançar o impossível. Com os companheiros de palco, ele expõe uma sequência de corpos torcidos, entrelaçados e esticados, que se transformam em tramas, bichos, esculturas e o que mais permitir a imaginação de quem assiste ao espetáculo. Rodrigo usa o corpo como ferramenta da dança desde os 14 anos, quando a arte do russo Mikhail Baryshnikov inspirou sua vocação. Optou por uma das modalidades que mais exploram a flexibilidade: a dança contemporânea. Diferentemente do balé, por exemplo, não há passos nem movimentos predeterminados.

Tudo é criação e exploração de limites. “São o alongamento e a elasticidade que permitem a criação de vocabulários na coreografia”, conta. Em busca da própria caligrafia corporal, em 2000 Rodrigo fundou com a mulher, Letícia, a companhia de dança Quik. Para desenhar cada momento de um novo espetáculo, ele passa horas, dias, semanas estudando o próprio corpo, explorando posições, construindo formas. “A flexibilidade do tronco – a inclinação para a frente, para o lado e para trás – é o movimento inicial do ser humano. Dá a noção do que é possível alcançarmos”, diz. E a prática da flexibilidade não transforma só o físico. “Os sentimentos e as emoções também ficam menos rígidos.”


Limite da perfeição

Expressar-se com o corpo não era novidade para a pequena Fernanda Munhoz. Aos 8 anos, ela já tinha experiência com balé e jazz. Mas então descobriu uma maneira ainda mais encantadora de brincar com os próprios movimentos: a ginástica rítmica. Convidada por uma vizinha, foi a uma aula. Ao ver as meninas desfilando acrobacias que só parecem possíveis a quem tem corpo de borracha, encucou que faria o mesmo. Nunca mais parou de treinar. “É muito lindo quando você consegue executar algo que se julgava incapaz”, conta ela, hoje com 16 anos. O foco do esporte é explorar os limites do corpo, perseguindo a beleza do movimento perfeito. E não basta ter controle apenas sobre si mesmo: as coreografias são realizadas com equipamentos – bola, corda, arco, fita e os bastões conhecidos como maças. Fernanda já estudou cada um deles. Mas, apesar da experiência, sabe que seu corpo tem condições de se desdobrar ainda mais. O que a vem motivando ultimamente é tentar executar a bandeirinha de costas, ou seja, colocar um dos pés na cabeça, passando por trás do corpo. Considerada “velha” pelos padrões do esporte para começar a competir, Fernanda pratica por prazer. “Não sou daquelas que têm elasticidade por natureza. Tenho de ralar para realizar os movimentos, e foi isso o que eu sempre fiz”, conta. Como diz sua mãe, esse é o único aspecto em que a menina é inflexível: a determinação.

 
Cada dia mais além

Há cerca de 20 anos, o bancário aposentado Carlos Newlands, hoje com 54, começou a ter dificuldade de ficar de pé. Sentia as pernas formigando, a visão embaralhada, tontura. Foi descobrir o que estava acontecendo oito anos depois, quando recebeu o diagnóstico de esclerose múltipla. A doença causa uma inflamação na mielina, uma substância que fica entre os neurônios, o que dificulta a comunicação entre o cérebro e outras partes do corpo. No caso de Carlos, as pernas. Com os músculos enrijecidos e dificuldade de caminhar, ele teve de abandonar as peladas de futebol, mas ao mesmo tempo deu início a uma nova e estimulante rotina de atividades físicas, para lhe garantir mais saúde. Hoje, além de natação e fisioterapia, Carlos desenvolve o condicionamento e a flexibilidade nas aulas de pilates. O método, criado pelo alemão Joseph Pilates por volta dos anos 1920, trabalha o alongamento e o equilíbrio em exercícios lentos e minuciosos, que melhoram a postura, a respiração, a força e a elasticidade. Carlos descobriu a prática há seis meses, na academia perto de casa, em Porto Alegre. E está empolgado. “Na vida, sempre queremos ultrapassar nossos limites. No pilates é a mesma coisa”, diz. Quanto mais Carlos pratica, mais a musculatura ganha força e flexibilidade; e ele, coragem e disposição para seguir avançando. “A cada aula você vê que, se tentar, dá para ir um pouquinho mais além. E vai.”

http://revistasorria.com.br/site/edicao/estica-e-puxa.php










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